Água, Fonte da Vida, Direito de Todos
03/03/2015África, um continente cheio de recursos hídricos, onde, no entanto, mais da metade da população vive sem água potável e sem saneamento. Uma gestão eficaz e integrada destes recursos é vital para a sobrevivência de milhões de pessoas e também para o arranque e o desenvolvimento econômico do continente. O direito de todos a ter água suficiente, saudável, acessível e disponível para uso pessoal e doméstico ainda é recusado a mais de um bilhão de pessoas – mais de um em cada cinco habitantes do planeta – que não têm acesso à água potável, e a mais de 2 bilhões de pessoas - quatro em cada dez – que não dispõem de saneamento adequado. A África é o pior continente quanto à disponibilidade de água potável já que carecem dela 45% da sua população e 65% não têm acesso ao sistema de saneamento. Segundo o relatório «Direito à Água» de Engenharia sem Fronteiras e Prosalus, o acesso à água é um direito humano quando se destina a uso pessoal e doméstico, como o consumo humano – água destinada a beber e à alimentação; saneamento – água destinada às evacuações humanas, lavagem da roupa e higiene pessoal e doméstico.
Direito ou necessidade?
O acesso à água sempre foi considerado uma necessidade humana, condição essencial para o exercício de outros direitos: à vida, à alimentação, à saúde, e a um meio ambiente saudável.
Se a água é declarada como direito, deixa de ser uma mercadoria. É que por detrás do debate aberto sobre se a água é definida como um direito ou como uma necessidade humana, escondem-se os grandes interesses das multinacionais da água e os novos planos de privatização que estão em andamento em muitos países em desenvolvimento, com o financiamento do Banco Mundial e de outros organismos financeiros internacionais, em resposta à chamada crise da água.
Recursos hídricos na África
Apesar de ser a região com pior abastecimento de água do mundo, a África dispõe de abundantes recursos hídricos: as suas terras são abençoadas pelo rio mais comprido do mundo, o rio Nilo, com 6671 km e cujas águas se estendem por dez países; o rio Congo, com 4200 km, o segundo mais caudaloso do mundo; o Níger (4160 km), o Senegal (1600 km), o Zambeze (2600 km), o Orange (1860 km) ou o Limpopo (1600 km). Também dispõe de numerosos e grandes lagos, como o lago Vitória, o Tanganica, o Niassa, o Eduardo, o Kivu e o Turkana. Alguns deles estão seriamente danificados ou reduzidos. O caso mais doloroso é o do lago Chade, que chegou a ser o sexto maior do mundo e, nas últimas quatro décadas, reduziu seu tamanho em 90%. Houve tempos em que viviam da pesca uns 150 mil pescadores do lago Chade. Hoje, as populações autóctones viram-se obrigadas a procurar outras fontes de alimentação e de subsistência ou a emigrar para as grandes cidades. A África conta também com abundantes aquíferos, como o Sistema Aquífero Núbio, situado debaixo do deserto da Núbia no Sudão e que ocupa parte do subsolo do Egipto, da Líbia, do Chade e do Sudão; o Sistema Aquífero do Sara, na Argélia, Líbia e Tunísia; o Vale Murzuk, entre a Argélia, a Líbia e o Níger; o Sistema Aquífero Iullemeden, entre o Mali, o Níger e a Nigéria; e o Aquífero da Bacia do Lago Chade, entre o Níger, a Nigéria, o Chade e os Camarões.
Falar da escassez de água na África talvez nem seja o melhor título, porque a água existe mas não é acessível e falta vontade política de torná-la direito efetivo das pessoas.
A congregação dos missionários “Josefinos de Murialdo” atua na costa ocidental da África há 35 anos, ao longo dos quais viabilizou a construção de centenas de poços, transformando na prática a vida de inteiras aldeias e até mesmo cidades. Mas isso é uma “gota” num oceano de necessidades que ainda vemos por esses países, dos quais posso dar testemunho pessoal, que água é vida de verdade.
Na Serra Leoa, onde estive recentemente, a perfuração de um poço passa pelas seguintes etapas:
1. Contato com o coordenador da comunidade-aldeia e a avaliação da necessidade.
2. Conscientização e envolvimento da comunidade que precisa ver o poço como um filho a ser cuidado e respeitado.
3. Um perito da cultura local, com sensibilidade apropriada, ajuda a identificar o melhor local para a perfuração do poço levando em consideração a presença de água no subsolo, a ausência de solo rochoso e a acessibilidade para a comunidade.
4. Busca-se um grupo de pessoas e empresas para apadrinhar o projeto.
5. Contratam-se alguns integrantes da comunidade para iniciar manualmente as escavações.
6. Enquanto isso outro grupo da comunidade fabrica os anéis de concreto para o revestimento interno do poço.
7. Todos os equipamentos para a instalação dos poços são importados da Alemanha que oferece garantia de até 50 anos para os materiais que produz. As peças são de uso manual porque não há energia elétrica, e leves, porque em geral são as mulheres e as crianças que buscam água nos poços.
8. Procede-se à análise da água em laboratório para, em seguida, permitir o acesso à população.
A água é o elemento mais importante na vida de todos os seres vivos. Quem doa para uma aldeia um poço, doa vida. Depois de alguns meses, e através de um processo de apoio e assistência às aldeias que foram equipadas com um poço encontrou-se uma nova existência. Surgem pequenos jardins, uma horta familiar, e criam-se animais para o consumo próprio. A dieta é enriquecida e a segurança alimentar gera otimismo nas pessoas, o que vai além do benefício real oferecido pela água. É um verdadeiro milagre que vem de um sentimento de solidariedade e de uma ideia correta de promoção e desenvolvimento. É um impacto formidável porque, em alguns casos, as aldeias estão localizadas em áreas de difícil acesso, sem alternativas.
A questão da água não é primariamente uma questão de ausência mas um problema de acesso. Todos os anos, doenças relacionadas com a falta de água ou o consumo de água contaminada causam a morte de 1,6 milhões de crianças, a maioria das quais são menores de 5 anos de idade. Milhões de mulheres viajam todos os dias muitos quilômetros a pé para conseguir água, e as crianças são impedidas de ir para a escola para ajudar a família. Na Serra Leoa, uma em cada duas pessoas são afetadas por doenças causadas pela falta ou má qualidade da água, enquanto as estimativas indicam que um agricultor africano tem menos de 20 litros de água por dia, o que é menos da metade da necessidade diária mínima de 50 litros indicada como necessária pela Organização Mundial da Saúde. A água contaminada e a falta de saneamento são a causa da alta incidência de doenças infantis, a maioria delas evitáveis. Sem água potável é impossível escapar à espiral de infecções de pobreza. Água significa ser capaz de beber, cozinhar, lavar, limpar o chão. Se as mulheres não tivessem que caminhar longas distâncias em busca de água teriam mais tempo para se dedicar à família e aos filhos, ou para executar uma tarefa que permita ajudar no orçamento familiar, além do mais importante, a diminuição da mortalidade infantil devido ao consumo de água potável.
É verdade que a maior parte do território africano tem a estação das chuvas e a estação da seca, mas quando a água não vem do céu, pode muito bem vir da terra.