Vida Sem Água
02/11/2014
Série do Comitê Betinho investiga como vivem os moradores de países onde há escassez de chuvas e mananciais
Se a crise hídrica é um fenômeno que assusta aos brasileiros, em especial aos paulistas que começam sofrer com a estiagem, em alguns países no mundo a chuva é um visitante raro.
Se a água é a seiva de nosso planeta, estamos lidando cada vez mais com sua escassez.
A Ação de Cidadania Comitê Betinho, que já apoiou financeiramente a construção de mais de 500 cisternas no semiárido brasileiro, decidiu, em comemoração ao seu 21º aniversário, investigar como vivem os moradores de países ou localidades onde a escassez de chuvas e mananciais é uma constante.
Abrindo nossa série "VIDA SEM ÁGUA", a Jordânia, por Jubran Qusar
Na Jordânia, um dos dez países com menos incidências de chuvas no planeta, a falta de água é um desafio histórico. Sua população, de pouco mais de seis milhões de habitantes, administra os poucos recursos hídricos e os divide ainda com os cerca de um milhão de refugiados sírios acampados em seu território.
O Comitê Betinho conversou com o jordaniano Jubran Qusar, de 22 anos, voluntário do Arsenal do Encontro, pertencente a organização internacional SERMIG - Fraternidade da Esperança (que cuida também do Arsenal da Esperança, em São Paulo). O encontro ocorreu por intermédio do jovem voluntário do Comitê Betinho, Wemerson Pinheiro, 15, durante a realização do 4º Encontro Mundial dos Jovens da Paz (organizado pelo SERMIG), no último dia 4 de outubro, em Nápoles, Itália.
Jubran, que vive em Madaba e estuda na Universidade Hachemita, na cidade de Zarqa, localizada ao nordeste da capital Amman, relatou como é sua vida sem um dos recursos mais vitais para o ser humano: a água.
Ele vive numa família de seis pessoas, seus pais e irmãos, e consomem oito metros cúbicos de água ao mês. Fazendo um paralelo de realidades, em São Paulo, conforme cálculos a partir de informações da SABESP, uma família de seis pessoas pode consumir até 32 metros cúbicos por mês.
“O principal recurso de água na Jordânia é a chuva e as águas subterrâneas. Abastecimento de água e saneamento na Jordânia é caracterizado pela escassez severa de água, o que tem sido agravado pela imigração forçada”. As imigrações foram resultado dos constantes conflitos bélicos entre árabes e israelenses e também da crise no Iraque e na Síria. “O alto crescimento populacional, o esgotamento das reservas de água subterrânea e os impactos das mudanças climáticas são preocupações para o possível agravamento da situação no futuro”, avalia.
Na superfície os principais recursos hídricos são o Rio Jordão e o Rio Yarmouk, também compartilhados com Israel, ficando uma pequena quantidade para Síria e Jordânia.
Novas fontes
Jubran explica que o projeto para a captação do aquífero Disi, um aquífero fóssil com idade de 300 mil anos, aumentou, desde sua inauguração, em julho de 2013, a disponibilidade de recursos hídricos em cerca de 12%.
Outra iniciativa foi o aumento da utilização de água de reuso e água do mar dessalinizada para ser fornecidas através do canal do Mar Vermelho e Mar Morto. “Apesar da escassez severa de água do Jordão, mais de 97% dos jordanianos têm acesso a uma fonte melhorada de água e 93% têm acesso a saneamento melhorado. Este é um dos índices mais altos do Oriente Médio e Norte da África”.
No entanto, ressalta o jovem voluntário, o abastecimento de água é intermitente e é comum o armazenamento da água que escorre pelos telhados em tanques domésticos. “O nível de água perdido por vazamento ou roubo no abastecimento de água municipal é estimado em cerca de 44%. As tarifas de água são subsidiadas. A Estratégia Nacional de Águas, aprovada em 2009, enfatiza a dessalinização de águas residuais e reutilização. O país recebe ajuda externa substancial de investimentos no setor da água, representando cerca de 30% do financiamento do investimento água”, pontifica.
O subsídio ao setor de água é de cerca de meio por cento do PIB do país, de 33,6 bilhões de dólares em 2013. E cerca de 14% da eletricidade na Jordânia é utilizada para bombear água potável e para o tratamento de águas residuais.
Mudanças
Para Jubran, “todos temos de fazer mudanças no estilo de vida”. Para ele, isso significa usar a água com sabedoria.
Dada a elevada escassez de água na Jordânia, a utilização média per capita é mais baixa do que na maioria dos outros países. “A produção de água, antes das perdas na rede, é de cerca de 120 litros por pessoa ao dia. O consumo real é cerca de 80 litros per capita ao dia”.
Uma pesquisa sobre o consumo de água pelas famílias ao leste de Amã e em 14 aldeias nas províncias do Norte mostrou que o consumo total per capita situa-se entre 60 a 80 litros por dia. “Cerca de 20 a30% desta água é obtido a partir de outras fontes além do sistema de canalização público, como águas engarrafadas, a águas compradas de petroleiros, aproveitamento de águas pluviais e nascentes”, continua Jubran.
Nas zonas rurais, 28% dos domicílios pesquisados ??colhia a água da chuva e armazenavam em cisternas para beber. Consideravam essa água de melhor qualidade do que a água encanada.
Já no leste de Amã, 12% das famílias compravam água em garrafas grandes e 30% compravam água de cisternas privadas. “A maioria das famílias tem tanques de armazenamento de telhado com um volume de 1 a 2 metros cúbicos”.
Outros números
A pesquisa de 2009, Population and Family Health Survey, indicou que entre as principais fontes de água potável das famílias, 31% utilizavam a água engarrafada, 7% água da chuva, 2% tanque de água próprios e 60% de das torneiras. A mesma pesquisa identificou que 22% dos domicílios filtravam a água da torneira e a maioria não aplicava qualquer tipo de tratamento.
Outro levantamento, realizado entre 2007 e 2008 pelo programa alemão-jordaniano nas províncias de Zarqa, Balqa e Madaba, mostrou que 79% das famílias utilizam água da torneira como sua principal fonte de água potável e que 37% das famílias tratavam a água antes de beber. Já a tratada e comercializada em galões e revendida em caminhões de fornecedores privados é a principal fonte de água potável para 15% das famílias desses locais.
Segundo Jubran, o governo jordaniano, bem como diferentes ONGs, têm feito esforços para aumentar a conscientização do público sobre a escassez da água, incentivando sua conservação.
“Um exemplo é o "Woman Water Wise Initiative", realizado desde 2007 em, inicialmente, cinco comunidades locais em toda a Jordânia”. Ele explica que a iniciativa baseia-se nos esforços de voluntárias, organizadas em cinquenta centros de desenvolvimento comunitários e apoiadas pelo Fundo Hachemita da Jordânia para o Desenvolvimento Humano (JOHUD). “Ele treina mulheres, chamadas de ‘pioneiras das mudança’, em temas como economia de água, coleta de águas pluviais, armazenamento, canalização, higiene e uso da água para a casa de jardinagem”.
Dessa forma, argumenta, o WWWI proporciona oportunidades para as mulheres na geração de renda e redução das despesas encanadores, águas engarrafadas ou compradas nos caminhões. “Além disso, a iniciativa estende a mão para meninas e crianças em idade escolar, por exemplo, através de um desenho animado abordando as questões da água”, exemplifica.
“É nossa responsabilidade se informar sobre a conservação da água, mantendo-a pura e segura para as gerações vindouras. É nossa responsabilidade pessoal. Não podemos deixá-la para outras pessoas”, finaliza Jubran Qusar.